Cronicamente online

Esses dias vi a expressão cronicamente online em algum site na internet e achei ela curiosa e muito coerente com os dias de hoje. Sem perceber, estamos o tempo todo conectados e consumindo informação de alguma forma, nem que seja passivamente. Até alguns anos atrás eu me lembro que existia uma preocupação nas pessoas, na hora de comprar e configurar os seus celulares, relacionada à quantidade de notificações. Haviam técnicas e estratégias para chegassr menos avisos no celular, visando um uso mais consciente do aparelho e a economia de bateria, que era outro gargalo.

Passados alguns anos tal preocupação parece ter caído em desuso, com o padrão sendo a hiperexposição à dados e informações. Se a gente gosta de um filme, vai ter podcast, site, game e derivações daquela obra. É como se não existisse mais aquela coisa de ler um texto e ele terminar ali. É tão necessário entreter e ocupar o tempo que os formatos de conteúdo vão se multiplicando por aí. Eu tinha um podcast há um tempo atrás e, apesar do conteúdo ser super relevante, era como se não fosse suficiente. Dentro da estratégia de divulgação, era necessário ter cortes, reels e a entrega do conteúdo em vídeo e aúdio porque é assim que o mercado faz.

Quando olhamos para as justificativas, até que faz sentido. Um conteúdo rico precisa ser explorado para que diferentes públicos tenham acesso à ele. Peguemos Duna, por exemplo. A franquia “original“ consistia em 6 livros - salvo engano - escritos pelo autor original. Com o passar do tempo o universo foi expandido, chegando hoje aos 23 exemplares. Houve algumas adaptações cinematográficas dos anos 60 até aqui, mas foi em 2021 que o universo começou a ser esmiuçado com mais afinco. Hoje temos 2 longa-metragens lançados - com um terceiro episódio a caminho, temos uma série televisiva lançada em 2024 e inúmeros podcasts sobre os filmes, livros e a série.

Ou seja, um fã do universo criado por Frank Herbert teria todos os motivos do mundo para estar feliz, correto? Eu também pensava assim. Mas aí quando você a. diciona todos esses conteúdos criados em serviços de streaming abarrotados de outras milhares de obras, vídeos, audios e afins, como fazer para que esse conteúdo continue sendo relevante para você enquanto indivíduo?

A sensação que tenho hoje é a de que quanto mais encontramos formas de difundir informação sobre tudo e qualquer coisa, mais relativizamos o valor do conteúdo do dado em si. Ler um jornal hoje não é a mesma coisa que ler um jornal a 30 anos atrás. Antigamente a gente obter informações necessitava de um processo. No caso do jornal era ir até à banca ou recebê-lo em algum lugar. Envolvia custos e não eram baratos. Com a democratização da internet, a gente consegue saber o que está acontecendo do outro lado do mundo em poucos minutos. Os ganhos disso são imensuráveis, mas o que vem depois? O que a gente faz quando temos toda informação do mundo em nossas mãos, ou bolsos?

Quando era adolescente, encontrei um meio de usar internet grátis no celular, lá por 2008. A tecnologia WAP engatinhava no mundo todo e no Brasil abrir um site pelo celular custava mais de R$30, era absurdo. Com esse hack que descobri, comecei a usar msn e orkut enquanto viajava de trem do interior pra capital todos os dias, na época em que estudava na zona norte de SP. Me divertia muito fazendo isso e imaginava que seria muito legal se um dia as pessoas pudessem usar internet em qualquer lugar. Parecia algo que mudaria o nosso dia-a-dia para o bem.

E por um bom tempo foi. Ter a opção de pedir comida, chamar um táxi, vender produtos e ter contatos com amigos de longe sempre que possível criou um mundo completamente diferente daquele de 2008. Oportunidades apareceram. Entretanto, junto com toda essa tecnologia embarcada, começamos a ver também os pontos negativos de um mundo mais digitalizado, como a precarização do trabalho, o aumento dos golpes e mais recentemente os sequestros e roubos de celular relacionados ao PIX. Isso sem falar da pior parte, na minha opinião: o vício em telas.

Não vou entrar nesse mérito aqui porque é um assunto que já está ficando batido. O ponto que acredito fazer sentido nesse texto é pensar em como esse vício em algo completamente artifical e supérfluo deixou de ser um problema para ser entendido como um característica dos nossos tempos. A ideia de que estamos cronicamente online mostra que não há autocrítica sobre os males que a tecnologia implica em nosso dia-a-dia. E quando digo autocrítica, não estou colocando a culpa nas pessoas, nem em ninguém em específico. É uma constatação de que estamos, aos poucos, adoecendo sem perceber e sem tratar a causa raíz, apenas os sintomas.

Tenho visto, ultimamente, uma moda de haverem soluções paliativas para o problema dos cronicamente online. São aplicativos, na maciça maioria das vezes pagos, que tem como objetivo de fazer usar menos o celular, criando mecanismos de distração e controle. A ideia é ótima, mas é como curar ressaca com mais álcool. Na minha cabeça a melhor solução possível e ser radical e usar celulares daqueles antigos, os famosos dumbphones. O problema é que até mesmo as instituições estão ficando tão digitalizadas e amarradas com nossos celulares que já não conseguimos nos livrar deles sem ter problemas. Quer acessar sua conta do banco? Em alguns você precisa do celular, mesmo que seja no caixa eletrônico.

Enquanto isso, vamos levando uma vida cada mais na rede, olhando para telas em que cores explodem, informações novas brotam a todo momento, independente de estarmos prontos para isso ou não. Isso sem falar nas crianças conectadas cada vez mais cedo e o advento de conteúdo gerado por IA. Daqui uns anos farei uma nova versão desse texto. Veremos o que mudou de lá pra cá.